segunda-feira, dezembro 14, 2009

O único espermatozóide que ele tinha

Quando conheci a Raquel, fiquei fascinada e comovida com a história dela. A Raquel tem um filho, que o pai não reconhece como filho. A propósito do Natal, apetecia-me escrever uma crónica, a bem dizer, bonita e romântica, sobre a maternidade/natividade. Uma história, até podia ser fictícia, a que não podiam faltar presépios, anjos, estrelas, reis magos, “uma virgem que concebesse sem pecado”, enfim, tudo aquilo que me remetesse para o simbolismo e mitologia da quadra, mas não consigo. É escusado tentar, na verdade, nada disso me emociona ou me toca, e, mais ainda, ofende-me; ofende-me mesmo, a ideia de uma “virgem conceber sem pecado"... Que leitura óbvia resta para o comum das mulheres? Que todas elas, pecam para conceber? E, já agora, como as mulheres, todas as mulheres, não podem prescindir do contributo dos homens, será que eles também são conotados como pecadores? Pois, eu sei, é como diz Saramago, no Caim: "… como sempre às mulheres, de um lado lhes chove, do outro lhe faz vento…". Além disso, hoje, não consigo lembrar-me de outra história que não seja a da Raquel (mas esta é verdadeira): a Raquel aquela que tem um filho de um ano, que o pai não reconhece, está há já alguns meses Institucionalizada - como agora se diz - porque dizem que é "louca". Foi abandonada e rejeitada pela família e pelo companheiro, no decurso da gravidez, que tão convicta e resolutamente levou avante. Bem, louca, louca, não será bem o termo, é sim, bipolar. Antes de estar Institucionalizada, a Raquel, apaixonou-se e teve um caso, durante uns tempos, com um homem divorciado e sem filhos, a quem tinha sido diagnosticada uma azoospermia, ou seja, dito de forma simples, não tinha espermatozóides activos no sémen ejaculado. Mas (ironia do destino), tinha! Tinha pelo menos um, aquele que, sem licença, nem vergonha e muito menos com pecado, fecundou o óvulo da Raquel. E o tal homem, o da “azoospermia”, não reconhece o filho como seu, nem mesmo depois dos testes terem confirmado a paternidade. A Raquel, aquela que está Institucionalizada, com o filho de um ano, essa sim, amorosamente cuida e reconhece o filho, como seu e dele, daquele homem que não aceita o fruto do único espermatozóide "vivo" que tinha.

Publicado aqui

Etiquetas:

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A vida é curiosa e tem destas contradições! As tuas crónicas verídicas são realmente surpreendentes. Esta é de facto mais uma daquelas que nos prende na leitura e nos faz reflectir sobre os meandros da mente humana. Este
homem informado da sua própria esterilidade duvida até da evidencia e comporta-se recusando o que supostamente seria motivo de imensa satisfação.
Gostei.
rc.

9:35 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home