Ontem, viste-me de castanho escuro

para te acompanhar nessa última viagem. Afinal levaram-te mais cedo, antes do que era previsto e não fui avisada. Paciência. Na minha memória ficarás sempre, como aquela, que, à tardinha, regressada do trabalho, ia comprar pão fresco, para o jantar da família e esperava, no café, pacientemente, que o Carlos chegasse na Eco-via. Algumas vezes te mandei remoques pela tua maneira de ser, na medida em que eu, abelhuda, achava que trabalhavas de mais e que eras uma espécie de escrava familiar. Tu, às vezes, fumando o teu cigarro, respondias-me com meiguice e chamavas-me Fatinha, tentando justificar tudo isso. Hoje, ainda tento compreender aquilo que permanece, para mim, de certo modo, incompreensível. Também me lembro, quando, inconscientes, desatávamos a rir das alarvices linguísticas da G. - Ervadose, em vez de "overdose " referindo-se ao rapaz que tinha enlouquecido, por causa da droga; ou erguido em vez de "arguido", referindo-se ao Herman José. Depois, houve outros episódios mais tristes. E pronto, em menos de quinze dias, uma pneumonia diagnosticada inicialmente e depois o que já se receava, acabaram com tudo. Não haverá mais espera no café, com o saquinho do pão, nem Fatinha, nem risos malucos, nem aquele olhar meigo, com que, frequentemente, brindavas as pessoas queridas. Contudo, acho que me lembrarei sempre de ti, todas as vezes que me cheirar a pãozinho fresco.