quarta-feira, dezembro 22, 2010

Natal - do parir e do criar

Tenho uma minha amiga, a C., que é médica ginecologista. Como esta profissão, pelo seu consultório, passam histórias absolutamente incríveis. Algumas são mesmo terríveis, inenarráveis, mas dada a época natalícia, não vou falar dessas agora; outras difíceis de gerir, como a daquela jovem de vinte anos, que foi à consulta acompanhada da mãe, e, diante da médica, exigiu que aquela lhe revelasse o nome do pai, como não obteve resposta começou a gritar e a agredir a progenitora; mas, há ainda, as que são verdadeiros contos de Natal, hoje quero falar dessas: um dia destes, apareceu-lhe uma doente, a quem vou chamar de Maria, de cerca de setenta anos, com um diagnóstico de carcinoma. Era uma Senhora de aparência humilde que referiu como profissão “trabalhar no campo de sol a sol”. A médica descreve-a como modesta, mas despachada, alegre e bem disposta, isto apesar da gravidade da doença.

Para preenchimento da ficha clínica, C. perguntou-lhe quantos filhos tinha tido, e ela respondeu: - cinco, Sra Dra, quatro pari-os eu e o outro, adoptei-o! A minha amiga admirou-se com a resposta e questionou-a sobre aquela adopção e a Senhora Maria disse-lhe então - sabe Sra Dra, um dia fui visitar uma vizinha muito pobre, que vivia na maior miséria e eu sabia que ela tinha acabado de ter o seu oitavo filho, pois pasme, Sra Dra, quando lhe entrei em casa, dei com ela a tentar afogar, numa bacia de água, o bebé acabado de nascer! Olhe, arranquei-lho das mãos, atirei-a ao chão, dei-lhe umas palmadas e trouxe o menino para minha casa. Já não lho entreguei mais, adoptei-o e criei-o eu. E sabe, Sra Dra, é o filho mais meu amigo, só me chama Mãezinha, visita-me todos os dias, não deixa que me falte nada, e é ele que me traz sempre à sua consulta. Este filho, tem sido, toda a vida dele, uma bênção do céu para mim.

Estão a ver? Depois digam que não há contos de Natal lindos e verdadeiros!

Reciclado e publicado aqui

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sexta-feira, dezembro 17, 2010

DESABAFO ATLÂNTICO: LINDOS AÇORES

sexta-feira, dezembro 03, 2010

O velho tio egoísta

Conheço-os há cerca de trinta anos e quando os visito, só vejo a tia Ana a bulir e a cirandar de roda do tio Joaquim. Ele impõe-se como o seu Norte e seu Sul, bem como todos os outros pontos Cardeais. Às vezes questiono-me como é que ela teve tempo para criar aqueles oito filhos, sozinha, e pior do que isso, com o bloqueio daquele homem tão egoísta e tão cioso dos "seus" mais pequenos direitos matrimoniais? Todos os pretextos servem, mesmo os mais insignificantes, para a chamar e fazer as exigências mais mesquinhas: não come refeição que não seja acabada de cozinhar, até a sopa, tem que ser feita na hora. Desta forma, a Tia Ana passa a maior parte do tempo cozinhando para ele. Mas, como também, até há bem pouco tempo, não tinha "licença" para sair de casa a não ser para ir ao médico ou equivalente, lá o ia apaparicando a contento dele. Ela aceita, resignadamente, aquela espécie de servidão, mas há uma coisa que não prescinde – ir à Missa e ao Terço, com as amigas. Claro que ele ficava a vociferar: "lá vão aquelas galinhas chocas, todas a cacarejar, para a igreja, ouvir aquele galo da Índia! Era com esta linguagem de capoeira que ele definia as práticas religiosas da mulher e do detestado padre, que chegara, recentemente, à paróquia. Nunca cheguei a perceber se ele não gostava dele por ser padre e novo, ou pura e simplesmente porque a mulher saía de casa para ir ouvi-lo. Se calhar era tudo em conjunto. Mas, o tempo vai passando e tudo tem um fim, tudo muda. Um dia fomos de novo visitá-lo, tinha ele já uns setenta anos! Quando chegámos, a tia Ana disse: o tio diz que não vos pode receber agora, porque está rezando o terço. Ficámos perplexos e nem queríamos acreditar no que estávamos a ouvir. Ainda esperámos uns dez minutos, mas nada, ele não apareceu, estava rezando... Quando voltámos, passados uns dias, já fomos recebidos, mas, de facto, não era o mesmo homem, ou por outra, era, só que agora tinha outra atitude e outro discurso: agora fazia terços e pendurava-os pela casa toda, inclusivamente, usava um, ao pescoço.

Só tenho uma explicação para esta mudança – ele tem medo que a tia Ana quando morrer vá para o céu e ele não. Na eternidade, em sítios diferentes, como podia ele continuar a chateá-la.

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