Pai, quando acaba a guerra?Pai, quando acaba a guerra? E o meu Pai respondia-me sempre: daqui a quatro dias filha. E a guerra durou quatro anos, deixou cerca de 250 mil mortos e 1, 8 milhões de refugiados …". Quem nos fala assim, emocionada, é Zaída, uma jovem guia na Bósnia-Herzegovina, enquanto nos vai mostrando as fachadas das casas feridas pelas balas das metralhadoras e os prédios ainda destruídos, na cidade de Mostar, e, ela é, pode-se dizer, uma sobrevivente dessa guerra, que se estendeu de 1992 a 1995. A voz dela, mesmo passados 14 anos, ainda reflecte a dor, a fome e o medo, que sentiu naqueles anos de terror. "Nós não podíamos sequer sair de casa, tínhamos um medo absoluto de ser atingidos por um "sniper", mas também, o espectáculo que se nos apresentava, nas ruas da cidade, era medonho, dado que havia cadáveres desmembrados por todo o lado. As ruas só tinham mortos porque os vivos não saiam de casa com medo de serem mortos também. Só aqui em Mostar houve 3000 civis mortos que vestiram fardas e se armaram, para defender a cidade". Depois, aponta para o cemitério pejado de lápides brancas, umas maiores do que outras, mas todas colocadas de forma vertical. Olhamos para elas e sentimos um arrepio, porque, de repente, parecem-nos pessoas ali perfiladas, de pé, para que os homens não se esqueçam, jamais, daquilo que elas representam. Zaída, chama-nos a atenção para o facto de não haver, naquele cemitério, uma cruz, ou qualquer outro símbolo religioso, como se a morte fosse, de facto, o último e definitivo vínculo de união e o elemento aniquilador de todas as diferenças. E eu olho aquelas 3000 lápides verticais, naquele cemitério, sem muros nem grades, erigido dentro da cidade, dum lado e do outro da rua e penso na coragem que é necessária, para virar a página e continuar a viver e a trabalhar como se tudo não tivesse passado dum terrível pesadelo. "Hoje, só queremos esquecer esses quatro anos e tudo aquilo que se relaciona com a guerra. Nós, os jovens, frequentamos as mesmas escolas, as mesmas universidades, tomamos café juntos, falamos de bodas e de namoros, e não falamos de guerra nem de religião. Abolimos esses assuntos das nossas conversas, e, esperamos, das nossas vidas, para sempre". Mostra-nos, com orgulho, as coisas já reconstruídas, como a belíssima e antiga "Ponte Pedonal de Mostar", que liga os dois lados da cidade. "Tinha resistido a duas guerras mundiais, mas desta vez, foi bombardeada cirurgicamente até à destruição, mas, mal acabou a guerra, o povo da cidade recolheu, do rio, as lajes caídas, uma a uma e reconstruiu-a de novo".Tudo isto estava bem presente ainda no meu espírito quando vi, há dias, forças militares Israelitas entraram na faixa de Gaza numa ofensiva que visa, segundo eles, atingir e diminuir a força política e militar do Hamas, mas a verdade é que, já morreram mais de 555 pessoas incluindo mulheres e crianças e o total de feridos atingiu os 2.700. Hoje mesmo, foram atingidas duas escolas. Impressionam-me os relatos feitos em todos os jornais, não só sobre o número dos mortos mas também as condições em que as pessoas vivem e eu penso naquelas crianças, que, nestes dias conturbados, tal como Zaida, perguntam: Pai, quando acaba a guerra? E o meu Pai respondia-me sempre: daqui a quatro dias filha. E a guerra durou quatro anos deixou cerca de 250 mil mortos e 1, 8 milhões de refugiados …"
Nota: crónica publicada também
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