Ai pelos anos oitenta eu vivia nos arredores da cidade de Coimbra. Perto da minha casa vivia uma família, cujo marido, o Sr. João, estava desempregado. Para sobreviver e sustentar a família, vendia camisas de homem, que trazia duma fábrica do Norte, creio eu. Quando soube do caso, por uma vizinha, disponibilizei-me para lhe ajudar na venda das camisas, junto das minhas amigas. O Sr. João, aceitou agradecido e lá colocou, para o efeito, no meu carro, uma caixa das ditas camisas. Munida com este material, passei-o às minhas amigas. A minha cliente preferencial era a Aline, dado que tinha marido e dois filhos, para vestir. Por essa altura, eu dava aulas, em Coimbra, no antigo Colégio S. Pedro, que é ali mesmo junto da Praça da República. Quando eu tinha "furos", nas aulas, ia até ao café Tropical, para dar dois dedos de conversa com a malta conhecida, que estava por ali. Bom, estava eu num desses intervalos quando, passado dois dias, apareceu o Rogério, marido da Aline, a pedir-me a chave do carro, para ir lá colocar o caixote com as camisas que tinham sobrado da compra. Eu dei-lhe a chave e ele passado uns minutos apareceu e disse-me assim: O teu carro custa muito a abrir! Olhei para ele com estranheza, mas não liguei muito ao que ele disse. Eu tinha, na altura, uma Citroen Dyane e nunca tinha tido qualquer dificuldade em a abrir. Não pensei muito no assunto e, entretanto, fui dar mais uma aula e quando acabei e me dirigi ao carro, para regressar a casa, verifiquei que tinha uma intimação da polícia, no pára-brisas, com a indicação de que me devia dirigir à esquadra mais próxima. Lá fui, incrédula e perplexa, sem saber ao que se devia tal coisa. Chegada lá, perguntei ao polícia de plantão, a razão daquele papel. Ele interrogou-me: fez hoje fazer alguma compra? Respondi que não. Então ele continuou: Falta-lhe alguma coisa no carro? Quando eu ia negar de novo, olhei, por acaso, para o outro lado da sala, e que vejo eu? Nem mais nem menos do que o bendito caixote das camisas. Admiti que tinha perdido aquele caixote e ele continuou o interrogatório - sobre o que tinha o caixote, de quem eram as camisas, para que é que eu andava com aquele caixote, etc. Então, na dúvida, contei a história toda - falei do desemprego do meu vizinho, da ajuda que eu lhe estava dar, enfim, tudo. Aí o polícia passou-se e perguntou-me de forma ameaçadora se eu tinha licença para vender alguma coisa. Caí em mim. Vi-me a viver um filme muito negro. Mas, nesse momento de tenção, lembrei-me, de que, ali, naquela mesma esquadra, estava colocado um subchefe, que ainda era meu primo. Então pedi ao polícia que o chamasse pois queria falar com ele. Precisava dele, ali, naquele momento. Quando o polícia ficou mais calmo perguntei-lhe como é que o caixote tinha ido parar ali. Então ele contou-me que uma outra senhora, ao dirigir-se ao seu carro, também uma Diane, se deparou com um caixote "suspeito". Não esteve com meias medidas, foi chamar a polícia, dizendo, que, provavelmente, tinha uma bomba no carro na medida em que lhe aparecia lá um caixote que não lhe pertencia. Lá foi a polícia toda artilhada de "desmonta bombas" até ao local. Quando acabaram o trabalho e se deram com um caixote de camisas raciocinaram que devia ser da outra Diana, que estava dois lugares acima. E pronto, o resto já sabem... Eu não matei o Rogério, mas só porque gosto muito dele, mas vontade não me faltou!!!
Ps - Esta pequena História de Vida, foi enviada para o programa
historiadevida@rdp.pt e lida aos microfones da RDP, no dia 4 de Julho 2006.